Julho: Uma Carta de Revolução
Eu fiquei pensando bastante sobre o que escreveria nessa carta, porque tem tantos temas para falar relacionados a revolução. Aliás, é algo interessante que vem acontecido durante cada mês das cartas, chegamos na metade e todas elas exigiram algum tipo de reflexão. Nesse caso, vou falar de um sentimento que em algum momento, qualquer aluno de pós-graduação já sentiu: o de se sentir incompreendido.
Em um país onde não se valoriza a educação, querer trilhar a carreira de um pesquisador é complicado. Antes mesmo de embarcar no mestrado, já sabia que seria difícil e que enfrentaria muitos problemas, mas você não imagina a intensidade com o qual sente as coisas. Eu já tinha ouvido muitas histórias, então posso dizer que não me chocou tanto assim. Porém, o sentimento de não conseguir acompanhar o restante da turma, de ter um monte de trabalhos para entregar, de se sentir incapaz... Foi assim, uma bomba que explodiu e fui sentindo o impacto ali na hora.
De todas as coisas que acontecem, o que você é mais sente é quando as pessoas ao seu redor não conseguem entender. Então começam as brincadeiras, do tipo, “nossa, mas fulano só estuda o tempo inteiro”. Depois vem as indiretas, do tipo “a maluca que só fica lá no quarto estudando”, e passa para as acusações, como “nossa, não faz mais nada por aqui, só estuda. Vai fazer o que com esse estudo todo? Não ta vendo um monte de professores sendo demitido? Não vai ter futuro. Tem que viver a vida”
Eu tenho o privilégio de ser bolsista pela CAPES, então além de não pagar mensalidade para a instituição a qual faço parte, ainda recebo por isso – desde que cumpra alguns critérios como ter excelentes notas, dedicar no mínimo 40 horas semanais de estudos. Aliás, essas 40 horas acaba virando até uma piada interna, porque acaba-se estudando muito mais do que isso. Obviamente não são todos os mestrandos que precisam estudar tanto assim, tenho colegas que trabalham e precisam conciliar a rotina com esposa/marido, filhos entre outras coisas.
Eu tive uma professora que me contou que chorava no banheiro, durante o mestrado, porque era muito difícil trabalhar o dia inteiro em uma empresa privada e ir à noite para as aulas. A maior diferença da graduação para um mestrado que eu senti foi o protagonismo do estudante: o professor te dá um tema e te orienta a buscar as fontes dessa informação. O resto? É com você. E gente, não é fácil ler um artigo científico. Para quem está acostumado, talvez seja simples, mas para quem como eu está no início nessa jornada pelo mundo acadêmico, é complicado. São muitos livros para ler, artigos para resenhar, seminários para apresentar. Todas as aulas têm alguma atividade nova toda semana, e se você perde algum prazo, isso pode se tornar uma bola de neve imensa.
Você pensa que já basta toda essa pressão para lidar, mas novamente volto para a família e amigos. Mais do que nunca, se faz necessário o entendimento por parte de quem convive com você para entender que não, você não vai estar disponível sempre que possível para conversar. Você não vai ficar saindo, tem horários para cumprir, atividades para desenvolver. E ficar mandando indiretas, debochando, reclamando não vai ajudar. Pelo contrário, só piora.
Uma das minhas amigas, que além de estar em cargo de diretoria em uma empresa e ter filhos, disse que se não fosse o marido cozinhando, ela não teria o que comer porque não sobra tempo nem para isso. E obviamente dói não poder estar sempre ali para os filhos, mas é entender que isso é uma fase e vai passar. Já imaginou se o marido dela não entendesse e jogasse isso na cara dela? Ok, ela não vai conseguir cozinhar direito por alguns meses, mas as férias logo mais chegam e daqui a pouco isso acaba.
Conversando com outros estudantes de pós-graduação, muitos relataram a mesma situação. Poucos amigos de fora da academia entendem, são familiares que não conseguem respeitar isso. Fiz uma grande amizade com alguns estudantes de mestrado e doutorado no grupo dos bolsistas da capes justamente porque parece que só a gente entende o motivo de precisar estudar tanto. Nós amamos o que fazemos, essa é a carreira que queremos e ela vai exigir certos sacrifícios. E é frustrante você ter que ficar explicando mil vezes para as pessoas que não, você não vai fazer outra coisa além de estudar pelos próximos meses.
Então é por isso que eu faço essa carta de revolução, a revolução para que ocorra um respeito por quem faz ciência neste país. Por favor, respeitem nossa opção de carreira, respeitem nossa vontade e amor pela educação, respeitem nosso momento. Cada um teve oportunidade para fazer suas próprias escolhas, e essa é a nossa. Fiquem feliz por um momento por estarmos seguindo nossos sonhos, joguem no time que está a favor e não contra. Não precisa nem entender o que a gente estuda tanto, não precisa aceitar, você pode odiar e isso é com você. Você poderia dizer, “eu nunca faria isso”, mas aí que está a questão: essa seria a sua visão de mundo e o seu entendimento, o que VOCÊ acha melhor. E quem tem que gostar, passar por isso e aceitar somos nós, os pós-graduandos.
Não precisa ficar fazendo sermão, dando discurso. Tenho uma outra colega que foi extremamente criticada porque optou por passar o ano novo redigindo artigo, para entregar ao revisor de uma revista do que ficar lá com a família. Ela disse que aconteceu uma vez, mas que marcou muito a falta de respeito que os parentes tiveram com ela, de não aceitar e respeitar o tempo e o momento dela. E aí depois que ela conseguiu passar para o doutorado, os mesmos que criticaram vieram nos “meus parabéns, poxa vida, você merece!”. Para, depois de alguns meses, questionarem de novo a escolha dela de passar noites em claro terminando trabalhos, ao invés de “passar o fim de semana com a família na praia”.
Eu particularmente já tive amigos que em vários momentos não entendiam o meu momento, de eu ter que explicar que não consigo ficar trocando mensagens por horas todos os dias porque preciso terminar alguma coisa. Chega um ponto que o que sobra é o silêncio mesmo, porque parece que não adianta conversar.
Mais uma vez, imploramos por isso: RESPEITO!! Não somos vagabundos que passam o dia inteiro sem trabalhar, nós trabalhamos sim e pra caramba. Só que uma dissertação é comparada até a um filho do tanto que é difícil e trabalhoso gera-la, uma tese então nem se fala. Não é um textinho que você olha na internet e depois vai reescrevendo com suas palavras, é muito mais complexo e trabalhoso do que isso, você tem qu de fato contribuir com o conhecimento, criar algo novo. RESPEITO!! Já são vários os nossos desafios e empecilhos, não precisamos de mais um. Deixo com vocês, mais alguns textos interessantes:
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