Uma carta a você

 Nossa história começou errada. Era um novo ano, coisas novas certo? E eu estava gostando do irmão mais velho da minha amiga. Por qual motivo? Nem sei te dizer... mas eu gostava. E então criei coragem, depositei meus sentimentos naquela carta, e tomada por uma dose incrível de insanidade, fui atrás dele entregar essa carta. Só que ele estava em um círculo de amigos, e bem... você estava lá. Me desculpa, não tinha te notado ainda. Todos pararam pra me ver, e ficaram em silêncio. Pareciam esperar alguma coisa, e então fui andando, andando e andando, até que entreguei a carta pra ele e saí. Todos me olharam embasbacados, e hoje sei o motivo: eu entreguei a carta pra pessoa errada.

E então um deles, que era amigo desse cara que eu gostava, veio falar comigo depois. Ele disse que o amigo dele não poderia sequer responder a minha carta, porque você gostava de mim. E vocês tinham esse lance de amizade, coisa e tal. E ele me passou o recado de que tipo... você queria uma chance comigo. 

Eu estava extremamente envergonhada, mas achei que pior do que tava, a situação não ficaria, e passei a conversar mais com você. Nem me lembro bem do que a gente conversava. Você ficava me vendo ler e escrever, perguntava as coisas, se mostrava interessado. Com o tempo, acabou me pedindo e namoro e aceitei, não pensei muito sobre isso. E começamos a trocar cartas de amor. 

Lembro da vez em que tentamos ficar juntos, mas seus amigos estavam sempre por perto e era realmente desconfortável com eles olhando. E aí a sua tia apareceu, começou a chover, o seu chinelo arrebentou. Toda vez acontecia algo, e eu agradecia internamente, porque não estava pronta para dar esse passo.

O problema é que a maioria das pessoas entendem um relacionamento de forma diferente. Me conecto com emoções, sentimentos, com histórias. Quero conhecer a pessoa, sua alma, seus anseios, suas verdades e mentiras. Pra mim, algo como um beijo é banal comparado a saber dos seus planos  e das suas opiniões. Não estou dizendo que não gostaria desse envolvimento, mas você começou a ficar irritado. 

Super entendo, mas você tentou me entender? Você não sabia quais eram meus cantores favoritos, e o motivo. Não sabia qual era o livro que eu não parava de ler, e mesmo que se mostrasse interessado em me conhecer melhor, te faltou perguntar mais. Sei também que era difícil nos vermos, mas fala sério... tem algo mais pessoal do que uma carta? Só porque eu não tava 24 horas por dia do seu lado, não significava que eu não me importava contigo, só era complicado.

Você não quis entender isso. Quis me apresentar aos seus irmãos, e ok, eu amava um deles, era extremamente fofo comigo. Mas eu queria, precisava de mais tempo, estava me descobrindo. Chega a ser irônico que eu, a pessoa mais acelerada em tudo, precisava de um momento.

E então eu fui toda feliz te ver. Me arrumei toda, e estava pronta para tentar algo mais do que abraços, ver se eu sentia algo. O que você me disse? Que já estava em outra, que eu não precisava mais me preocupar em aparecer. 

Quando virei as costas e comecei a andar pra longe, comecei a chorar descontroladamente. Não por você exatamente, porque percebia que não te amava. Mas pela forma como você falou comigo e me descartou, como se eu fosse um nada. Se queria outra pessoa, por que não falou comigo antes? Você me acusava de não te levar a sério, mas eu levava sim, pelo menos fui fiel. Você, aparentemente...

Depois, seus amigos vieram dizer que foi mentira, que você disse aquilo no calor da raiva, e eu estava tão foda-se que nem quis saber. Numa sociedade onde se conhece tanto a parte física e carnal, sabe o que falta? Mais cartas. Por isso ficam assim, passam anos do lado de uma pessoa, e depois cai de cara com a parede e percebe que não, não conhecia tanto não... só as idealizações e o que quiseram mostrar. Pra que ir no profundo, se posso ficar no raso, ne?